quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

O JOGO DA MORTE - 1942




A história do F.C.Start porém, não começou naquele dia e são os fatos que antecedem o Jogo da Morte que este fanático tenta contar por aqui, além do último e emocionante jogo daquela temporada em meio à ocupação nazista em Kiev.

Por toda a União Soviética, então sob o controle de Stálin, existiam os clubes noemados "Dínamo" e na Ucrânia existia um que era o clube esportivo da polícia e do Ministério do Interior em Kiev. O mais notável dos Dinamos era, evidentemente, o de Moscou, principal equipe de futebol no campeonato da capital, mas em novembro de 1927, Nikolai Khanikov e Sergei Barminsky, dois jovens policiais membros do Dinamo de Kiev montaram um time formado inteiramente por funcionários da polícia local. Nascia o Dinamo de Kiev.

Seu maior rival local era o Zheldor, mais conhecido como Lokomotiv que era formado por operários do Sistema Ferroviário Sudoeste.
A profissionalização se tornou uma realidade e com a oferta de um salário melhor e tempo para treinar, os clubes começaram a sondar jogadores dos clubes rivais. Esta nova perspectiva trouxe para o Dinamo de Kiev - como para tantos outros times da URSS - vários bons jogadores e ainda no início da década de 30 o Dinamo já contava com uma geração de jogadores que muito diriam ao mundo.
O novo Dinamo foi se formando e em menos de sete anos após sua fundação contribuiu com cinco jogadores para a seleção nacional ucraniana. Em 1935 chegaria o homem que traduziria em campo o espírito guerreiro do povo ucraniano.
Nikolai Trusevich nasceu em Odessa em 1908. Começou a jogar futebol aos 13 anos, porém só despontou no jogo anos depois por conta de sua condição familiar. Desde muito novo, Kolya ajudava a alimentar a familia, já que seu pai não conseguia trabalho. Logo conseguiu trabalho como aprendiz numa padaria e acabou se tornando mestre padeiro. O compromisso com o trabalho, o pouco convivio social e a necessidade de retomar os estudos, não deixavam que o futebol fosse prioridade na vida de Trusevich, mesmo assim, quando algum tempo sobrava, ele jogava.

Alto, flexível e de estilo inovador, Trusevich logo foi convidado a jogar regularmente pelo Pischevik, equipe formada pelos operários da indústria alimentícia local. Muito talentoso, chamou a atenção do Dinamo de Odessa e assinou contrato com a equipe em 1929. Durante sete temporadas foi ídolo no Dinamo de Odessa por seu estilo pouco convencional e arrastava multidões quando jogava justamente por seu jeito brincalhão e exuberante.

Para quem o observava ficava óbvio que o Odessa era pequeno demais para sua habilidade, já que não se restringia à pequena área. Trusevich inovou saindo da área e fazendo muitas vezes a função de zagueiro além de utilizar os pés e não as mãos em grande parte de suas defesas.

História interessante é contada quando depois de uma vitória acachapante sobre a seleção da Turquia, Trusecivh organizou um banquete surpresa para os adversários derrotados. Não que esta atitude estivesse ligada a alguma arrogância, é que Trusevich era homem de maneiras impecáveis e para que a surra em campo sobre o adversário não ficasse vista como falta de educação ou hospitalidade por parte do povo ucraniano. Para alegrar os visitantes, Trusevich se incumbiu de distraí-los com sua "dança do goleiro", que consistia em dobrar-se, balançar-se, esticar-se e saltar para apanhar uma bola imaginária ao som de um pot-pourri de tango e jazz. O ponto alto do "espetáculo" de Trusevich se deu quando a música parou e ele se congelou. De repente, caiu duro para frente, mas instantes antes de tocar o chão, ele esticou os braços e num salto voltou a ficar de pé e a fazer a sua "dança do goleiro" novamente. Inevitavelmente a platéia pediu bis, e Trusevich repetiu sua dança quantas vezes foram necessárias para deixar os visitantes satisfeitos e confortáveis. Impecável, exigente e bem sucedido em tudo o que fazia, Trusevich não ficaria marcado apenas pela inovação dentro de campo, ou pelo ímpeto de se lançar aos pés dos atacantes em divididas perigosas ou por sua amabilidade, cortesia e alegria. Os tempos de guerra com a invasão alemã e posterior ocupação de Kiev mostraria ao mundo que Trusevich era um homem determinado e filho leal da mãe Rússia.

Apesar do pacto de não agressão entre Stálin e Hittler, o führer traiçoeiro e doente não tinha em mente deixar a capital da URSS em paz, e avançou com suas tropas pelo leste europeu. Kiev foi atacada e boa parte do time do Dinamo se juntou ao exército ou às milícias para combater os alemães que esmagavam a população e queria ocupar a cidade usando-a como uma das bases para o avanço até Moscou.

Trusevich combateu ferozmente os alemães e apesar das poucas armas - o discurso de Stálin era duro, exigindo que a população não se entregasse e lutasse, a despeito das condições desiguais de armamento - conseguiu sobreviver. Em andrajos perambulou por Kiev até que foi reconhecido como o grande goleiro do Dinamo por Josef Kordik, atual dono da Padaria número 3. Imediatamente Kordik lhe deu abrigo e trabalho e alí surgia a idéia de ter perto de si os maiores atletas da Ucrânia. Conseguiu juntar alguns jogadores do Dínamo e do Lokomotiv além de boxeadores, ciclistas, ginastas entre outras celebridades.

Numa tentativa de amansar a população local, o governo da ocupação terminou a construção do estádio de Kiev que antes da guerra receberia o nome de Nikita Kruschev, e passou a chamar-se Estádio Ucraniano. Um novo campeonato começaria no dia 7 de junho de 1942, e o time de futebol à disposição de Kordik, formado por jogadores de Lokomotiv e do Dínamo de Kiev, recebeu o nome de F.C. Start.
O F.C. Start ganhou todas as partidas com o jogo de camisas encontrado nos escombros de guerra. Suas cores eram vermelho e branco. O discurso de Trusevich para os companheiros sobre o uniforme foi algo realmente convencedor: "Não temos armas, mas podemos batalhar pela nossa própria vitória no gramado. Desta vez, membro do Dinamo e do Zheldor vão jogar com a mesma cor, a cor da nossa bandeira. Os facistas vão ver que esta cor não pode ser derrotada".

O primeiro jogo do F.C.Start foi contra o Rukh. Vitória esmagadora por 7 x 2. O "dono" do Rukh, Georgi Shvetson, kievano jogador notável do Lokomotiv e simpatizante dos nazistas, indignado com a derrota do seu time, convenceu os governantes e a proibir que o F.C.Start utilizasse o novo estádio. A eles foi designado do Estádio Zenit.

Apesar de todas as dificuldades - já que os jogadores do Start trabalhavam em regime semi-escravo, estavam sub-nutridos, sem chuteiras ou condições físicas adequadas - os homens que vestiam o uniforme vermelho e branco já tinham personificado a alma guerreira e em suas peles as cores da mãe Rússia, estavam marcadas para sempre.

O segundo jogo foi contra o time da guarnição hungára e o placar foi de 6 x 2 para o Start. Alguns dias depois, foi a vez da guarnição romena tomar um chocolate: 11 x 0! Hungaros e romenos, aliados aos alemães na guerra, não foram páreo para a equipe kievana e isso na verdade pouco lhes importava. Mas no dia 17 de julho a coisa mudaria e o Start enfrentaria o PGS, time de uma unidade militar alemã. Nenhuma supresa, placar de 6 x 0 para o Start. Em quatro partidas a equipe de Trusevich havia marcado de 30 gols e levado apenas 4!

Com as vitórias do F.C.Start, o povo kievano teve seu moral elevado e isto começou a preocupar as autoridades alemãs, apesar de manter sua política de não-interferência no futebol. No íntimo, o desejo do comando alemão, era que o F.C.Start sucumbisse e a partida marcada para o dia 19 de julho contra a equipe hungara do MSG Wal poderia atender aos desejos dos alemães. Mas, nem a superioridade física dos hungaros foi capaz de demover o Start de Trusevich de sua ideologia de jamais ser derrotado vestindo as cores da mãe Rússia. O time hungaro perdeu por 5 x 1! Houve revanche no dia 26 de julho, mas o MSG Wal perdeu por 3 x 2 novamente. Enquanto isso, o Rukh, time de Shvetson perdia para o time do destacamento aéreo alemão, o Flakelf. Este jogo inclusive foi considerado um treino para o time alemão.
O jogo entre o Start e o Flakelf foi marcado para o dia 06 de agosto. Os alemães provariam que eram superiores física e moralmente e que aquele bando de joão-ninguém sucumbiriam. Placar do jogo: 5 x 1 para o Start, um dos mais fáceis daquele campeonato. Jesse Owens já havia suplantado Hitler em Berlim, nas Olimpíadas de 36, agora seria a vez do Start, em nome dos kievanos de levar o führer ao desespero.

O Start derrotou o Flakelf numa quinta-feira, e na sexta-feira a revanche já estava definida para o dia 09. Os dizeres dos panfletos espalhados pela cidade, deixavam bem clara a insatisfação e a irritação do comando alemão. Fora o tipo de papel utilizado - o mesmo dos anúncios oficiais - outro fato que mereceu destaque foi a escalação do Start feita pelo governo da ocupação. Sim! Os alemães escalaram o time do F.C.Start!
Trusevich, Klimenko, Sviridovsky, Sukharev, Balakin, Gundarev, Goncharenko, Chernega, Komarov, Korotkykh, Putistin, Melnik, Timofeyev e Tyutchev.

Interessante na escalação feita pelo governo da ocupação é que Gundarev era um jogador do Rukh, que atuou apenas na primera partida pelo Start por falta de jogador. E a ausência de Kuzmenko, um dos mais amados e carismáticos da equipe.

Tudo nesta partida foi diferente, a começar da presença do alto comando alemão, soldados com cães na entrada e ao longo do gramado, as arquibancadas foram destinadas aos soldados alemães e o juíz era SÓ um soldado da SS. Este entrou no vestiário do F.C.Start antes do início da partida para dizer algumas palavras: "Sou o juíz de hoje. Sei que o time de vocês é muito bom. Por favor, sigam as regras, não infrinjam qualquer regra e antes do jogo cumprimentem seus adversários à nossa maneira". Isto dito de forma bastante pausada e sem alterar a voz e muito embora seu dicurso tenha sido polido e quase cortês, havia algo de sinistro naquilo tudo.
Tão logo o "juíz" deixou o vestiário, o clima ficou tenso e os jogadores se reuniram como em qualquer outro vestiário. Sobre o que se conversou alí, não se sabe, a única coisaque se pode imaginar é pelo que foi visto em campo.
Os soldados do Flakelf saudaram a tribuna do auto comando com "Heil Hitler" e a multidão aguardou para ver o que os jogadores do Start fariam. A apreensão tomou conta. Todos quietos e os jogadores de cabeça baixa. Um a um, os braços foram erguidos. Os torcedores do Start estavam confusos. Mas quando todos os braços estavam no alto, os jogadores do Start os dobraram sobre o peito e gritaram: "FizcultHura!". O alto comando alemão ficou estupefato. Os torcedores ucranianos aplaudiram e a escolha do termo utilizado para saudação nada mais é do que vida longa ao esporte.

O jogo começou e a violência alemã sob o olhar complacente do juíz da SS não deixava dúvidas sobre o caráter daquela revanche. Ou o Start entregava o jogo, ou a coisa ia piorar. No primeiro lance a gol do Flakelf, Trusevich se lançou nos pés do atacante alemão que não tentou desviar do goleiro e chutou a cabeça de Trusevich, que permaneceu inconsciente por vários minutos. Sem a possibilidade de substituição, Trusevich ainda tonto, levantou-se e continuou no jogo. Era natural que minutos depois, o Flakelf abrisse o placar.

O Start não esmoreceu e Kuzmenko empatou a partida num petardo sensacional a 30 metros de distância da meta. Convém salientar que Kuzmenko treinava com bolas de até 3 vezes o peso normal, justamente para aprimar o poder de seu chute. Goncharenko deu sua contribuição quando pegou uma bola pela lateral e avançou sem conseguir ser detido e infiltrou-se na área driblando um meia após o outro e praticamente entrou com bola e tudo na meta alemã. Kuzmenko fez o terceiro e o primeiro tempo assim terminou: 3 x 1 para o Start.

Os jogadores receberam algumas visitas no vestiário, entre elas, a do próprio Shvetsov pedindo para que eles entregassem o jogo, já antevendo uma retaliação por parte do governo da ocupação. Outro soldado da SS visitou o vestiário e no mesmo tom polido e cortês elogiou o futebol apresentado pela equipe, mas ressaltou que não seria bom que detivessem a vitória e que seria de bom senso avaliarem suas ações antes de voltar a campo. Nada disso resolveu, e o Start venceu o time do destacamento aéreo alemão por 5 x 3, com possibilidade de ter feito o sexto gol, não fosse Klimenko desmoralizar ainda mais os alemães quando sozinho, na linha do gol, parou a bola antes da linha, olhou para tras, entrou no gol e colocou a bola em jogo novamente.

Foi demais para o juíz da SS. Antes mesmo de decorridos os 90 minutos do jogo, ele apitou o final. O Start golpeou o orgulho e a "superioridade" alemã não uma, mas duas vezes e o homem que deu o golpe final na humilhação era o mais jovem do time, um zagueiro marcado para ser eliminado.

Apesar da vitória, os jogadores do Start mal comemoraram porque sabiam o que lhes esperava. Voltaram para a Padaria número 3 e alguns dias depois a Gestapo prendeu a maioria dos homens do F.C.Start. Trusevich foi levado para o campo de concentração em Siretz.

Foi executado juntamente com Klimenko e Kuzmenko quando o Exército Vermelho estava quase tomando Kiev e o comandante alemão do campo de Siretz estava muito perto de ser capturado e seus crimes de guerra a ponto de serem descobertos. Trusevich não se entregou nem no momento de sua morte e antes de levar o tiro na nuca gritou: "O esporte vermelho nunca morrerá!".
Em homenagem aos heróis kievanos do F.C.Start, há um monumento no estádio do Dinamo de Kiev: Nikolai Trusevich, Korotkykh, Ivan Kuzmenko e Alexei Klimenko. Trusevich morreu com a sua camisa de goleiro e foi, além da alma do F.C.Start, a fonte de inspiração para o povo kievano para lutar por sua dignidade.

Um comentário:

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